Por: Graziela Rinaldi
Ilustras e Design: Ingrid Victoria
Copywriter: Mateus William
Estamos chegando ao fim do Janeiro Branco.
Um movimento que chama a atenção de toda a sociedade brasileira no início do ano, sobre a importância de olharmos mais cuidadosamente sobre a temática da saúde mental, quebrar tabus sobre o assunto, falar abertamente sobre como podemos melhorar nosso bem-estar emocional e como agir na prevenção de problemas psicológicos.
Não tem como falar sobre saúde mental, não falando sobre trabalho. A relação entre esses dois fatores é complexa, em algumas situações sendo o próprio trabalho o causador do adoecimento do trabalhador. O trabalho, na maioria das vezes, ocupa uma posição central na vida das pessoas, e somando a outros fatores como família, sociedade, podem contribuir drasticamente para a piora da saúde mental de acordo como cada pessoa atribui significado a esses fatores.
Nas organizações, a realização de campanhas como essa do "Janeiro Branco", "Setembro Amarelo" e outras iniciativas são completamente positivas . É evidente a preocupação por parte das empresas em destacar e discutir esses temas. No entanto, abro alguns questionamentos: tais campanhas saem da superficialidade e efetivamente conseguem provocar mudanças concretas? Elas realmente têm um impacto na saúde mental dos colaboradores? Como essas iniciativas estão influenciando a cultura das empresas a serem mais saudáveis?
Levanto esses questionamentos principalmente porque em 2023 tivemos um agravamento na saúde dos trabalhadores. Os afastamentos do trabalho por transtornos mentais aumentaram em 40% no Brasil apenas nesse último ano. Se muito se fala, e existem muitas campanhas sobre esse tema, por que esses números ainda são continuam alarmantes e altos?
Nessas campanhas enfatiza-se bastante a ideia da individualidade na busca pela saúde mental, como "procure ajuda" e " mantenha seu autocuidado", destacando a autonomia do ser humano em cuidar de si. E isso é totalmente importante!
Contudo, o que muitas vezes é negligenciado é o impacto dos modelos e das estruturas de trabalho na saúde das pessoas. Quando abordamos essa questão da saúde, não devemos considerar apenas o indivíduo isoladamente, mas também o seu contexto, a coletividade na qual ele está inserido.
Se estou imerso em um ambiente adoecido, por exemplo, é provável que eu também adoeça. Quando uma empresa ressalta a necessidade do autocuidado, mas valoriza modelos de performance a qualquer custo, campanhas como essas tornam-se contraditórias. Por essa razão, existe certa incoerência desses posicionamentos que estão sendo comunicados para fora, mas que precisam ser revistos, direcionando o foco não só no indivíduo, mas também para além dele, e fazer com que esse discurso repercuta para dentro da cultura das organizações para que haja, de fato, mudanças.
Então, em torno dessa temática, levando em conta a cultura, os times e indivíduos, como seria pensarmos sobre Janeiro Branco a partir de cada um deles? O que seria importante observarmos para a qualidade de vida dos nossos relacionamentos, do nosso contexto no trabalho e comportamentos a partir desses fatores?
INDIVÍDUOS
Nossa saúde mental também faz parte da nossa responsabilidade. Precisamos observar qual é nosso papel nesse processo, quais ferramentas podemos ter e buscar para construir bem-estar nesse aspecto da vida. Autocuidado, terapia, hobbies, conectar-se com aquilo que nos faz bem, buscar ajuda para resolução de conflitos... São formas de cultivarmos nosso autocuidado!
TIMES
Como podemos exercer o cuidado coletivamente nas organizações?
Os sistemas corporativos foram construídos para girar em torno do individualismo, a questão dos salários vinculados ao indivíduo e sua performance, é um exemplo disso. O papel dos times está em nos reconhecermos dentro de vivências coletivas, não apenas na natureza do trabalho em si, mas também em como nos relacionamos uns com os outros. Em termos de saúde mental, precisamos pensar em como estabelecer compromissos profundos nesses grupos, de que forma desenvolver a confiança a ponto de perceber quando os outros ao nosso redor precisam de ajuda e manter esse olhar de reconhecimento.
Como podemos nos apoiar, especialmente quando enfrentamos desafios no trabalho, de sobrecargas, quando estamos doentes? Como construir times que confiem e se apoiem mutuamente?
Estes são alguns desafios para as organizações.
Um outro fator também a ser olhado é para a relação entre líderes e liderados. Como são feitas as construções de conversas em posições de hierarquia? São saudáveis? Precisamos observar se estamos conseguindo construir confiança ao lado daqueles que nos lideram, se existe possibilidade de falar como nos sentimos, estabelecer limites, ter segurança para dizer não para uma entrega, para determinado prazo…
CULTURA
Mais do que apenas trabalhar em campanhas de conscientização, é necessário que as organizações revejam seus modelos de trabalho. Culturas empresariais ainda continuam reforçando a competição, por meio de modelos de avaliar funcionários, e ao olhar para isso percebemos que no dia a dia não há o cuidado para o equilíbrio mental.
Muitas vezes o adoecimento psíquico ocorre quando nos distanciamos de nós mesmos. Quanto mais nos afastamos de quem somos, mais ficaremos sujeitos a adoecer. Pessoas no mundo corporativo, buscando reconhecimento e desenvolvimento, se afastam da sua essência para se aproximarem do que é esperado pela organização. Isso acaba desencadeando processos de depressão, burnout; o que demonstra que os mecanismos de trabalho adotados pelas empresas estão disfuncionais, contribuindo e sendo prejudiciais para a saúde mental das pessoas.
A questão é: como construir uma cultura onde a saúde seja o pilar principal?
Lembrando que é claro: organizações precisam de resultados e de lucro para seus objetivos. No entanto, empresas são feitas por pessoas e funcionam pelo trabalho delas, por isso a necessidade de cuidá-las e encontrar o equilíbrio entre saúde mental e entrega.
Falar sobre isso é tocar em uma ferida muito profunda, porque esses modelos de trabalho estão consolidados, e as pessoas não reconhecem que estão em um lugar de escassez, se sentem frustradas sempre na ideia de que precisam desenvolver alguma coisa. É válido buscar desenvolvimento, mas não necessariamente preenchendo esse vazio, pois isso se torna algo inalcançável e doentio.
Janeiro representa recomeço, novas oportunidades, o início e fechamento de ciclos. Esta campanha nos lança um desafio de olharmos para nós mesmos, para a nossa saúde, e de como podemos mudar a forma como vamos encarar o ano daqui pra frente. É uma oportunidade para desenharmos novos começos.
O que você pode fazer por si mesmo agora?
O que sua empresa ou você no seu papel enquanto líder pode mudar para valorizar e promover a saúde mental das pessoas?
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