Ainda em férias, lendo alguns livros (enquanto escrevo um) sobre o momento que estamos vivendo tão intensamente. A ressignificação do trabalho, das relações e mesmo do que representa ser líder, é uma necessidade premente. Entre os livros que estou lendo um deles ( O INOMINÁVEL), escrito pelo irlandês Samuel Beckett, fala sobre a perda de identidade da nossa voz, fala sem haver um locutor, fala sem haver uma intenção, simplesmente fala, a partir da fala dos outros que nos chegam quase como uma obrigação transparente de ter de continuar falando. Ele escreveu este livro em 1949, no pós guerra, época em que positivismo e negativismo se encontraram furiosamente.
Haviam pessoas exultantes com o fim da guerra e a esperança de viver novos tempos de paz e abundância, enquanto outros sentiam-se sem nenhum significado por continuar vivendo uma agenda de políticos e de governos que nunca chegam à uma conclusão sobre o que realmente importa cuidar. Beckett claramente esta entre o time dos pessimistas, pois não vê sentido nas coisas cotidianas e acaba propondo uma crítica contundente a quase tudo e todos. Ele acabou sendo considerado um dos pilares do Teatro do Absurdo e aqui só gostaria de trazer a reflexão sobre a atualidade da sua crítica. Em momentos como este, com discussões políticas sobre temas científicos e discussões científicas sobre temas políticos, nos deparamos com uma massa de pessoas trabalhando quase no piloto automático, já nem mais esperando férias ou finais de semana para resgatar a energia.
Cabe a cada um de nós, principalmente quem exerce cargo de liderança, abrir espaços de escuta genuína para estas vozes cansadas e que nem sequer falam de si, repetem talvez a narrativa das redes sociais, sem coragem de deparar-se com uma certa dose de vazio existencial.
Como escutar vozes que não estão conscientes de sua fala? Abrindo espaço para dúvidas, pausas, vulnerabilidades, vergonha de não saber o que quer, etc... O ato de liderar não virá (como nunca veio na verdade) de fora para dentro, de uma hierarquia dada por função, por crachá ou por grade de cargo, virá da assunção da nossa humanidade, da orientação para liderança como movimentos culturais (eu mobilizo junto com outras vozes e não apenas com a minha).
O segundo livro que gostaria de mencionar é DEVAGAR, escrito pelo escocês Carl Honoré, que viveu momentos pessoais de Burnout (ou pre burnout) e compreendeu a fúria dos nossos tempos de resultados a qualquer custo, algo que Byung Chul Han chama de Sociedade da Performance, onde as cobranças sobre nossas entregas já não é outro, senão nós mesmos, com nossa neurose por desempenho sempre crescente. Nos perdemos talvez na hipótese de que crescer é igual a evoluir e exigimos; de nós, das empresas, das relações e do planeta, um crescimento vertiginoso, exponencial e suicida.
Honoré nos propõe o óbvio perdido, o conselho de nossas avós, a sabedoria popular, ou seja, viver o que temos HOJE disponível, na velocidade possível e adequada para continuar sem ruptura adiada, sem postergar a vida em nome de um futuro que não conseguiremos desfrutar. Assim como o personagem vivido por Adam Sandler no file CLICK descobriu com sofrimento, "pular" as partes não agradáveis, desejar o resultado sem viver o processo é como deixar de dançar para atravessar o salão de baile em linha reta, apenas para ser mais rápido e eficaz, é a aceleração do sexo, dos jogos eróticos que nos arremessa como sociedade para uma ejaculação precoce sem precedentes, para computar o ato em vez de fruir a relação.
Até a atividade física acabou cedendo à performance e hoje, não se trata mais de cuidar de corpo e alma e sim de demonstrar nos aplicativos (nada contra o efeito positivo de nudging de publicar seus exercícios) apenas a realização de metas, sem a apropriação de um corpo realmente mais saudável a ponto de gerar mais significado, mais vontade de viver, mais empatia e não o inverso.
Mas Eduardo, onde fica a liderança nesta história?
Uma vez mais, na escuta, no desacelerar consciente, na construção de novas pontes de diálogo, onde resultado seja importante como também importante são:
A compreensão do propósito (organizacional e pessoal) de fazer o que fazemos
O impacto real (incluindo o social) que alcançamos
Na evolução como alma que conseguimos apreciar em nós como indivíduos e como comunidade
Como convites finais, que tal aproveitar os convites não controláveis (COVID, INFLUENZA, H1N1 e outros) para relaxar, ac
almar, refletir, escutar a sua voz real e falar de um novo lugar, o lugar do Observador que admite não saber muita coisa sobre si e sobre o mundo.
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